Gilda Reis Neto, operária das artes
Gilda Reis Neto gostava de se definir como grafiteira. Desde criança desenhava nos muros de sua casa, nas areias da praia e nos troncos de árvores. Nascida no Rio de Janeiro em 1928, muito cedo começa sua carreira artística. Sua primeira exposição data de 1952, quando expõe alguns de seus trabalhos junto com seu irmão, o arquiteto Wilson Reis Neto. Seu traço forte, suas linhas modernas e o colorido de suas formas chamam a atenção da crítica, e ela logo se estabelece como um dos novos rostos da geração modernista de 1950.
Após estudar com Ivan Serpa e André Lhote no Brasil, Gilda vai se aperfeiçoar em Paris, como bolsista do governo francês, na Académie de la Grande Chaumiére e no Ateliê Kokoska. De volta ao Brasil, é convidada a fazer uma série de painéis na recém-inaugurada cidade de Brasília, quando começa a demonstrar sua preocupação com a realidade social brasileira, principalmente no painel realizado para o prédio do Ministério da Educação e Cultura, intitulado “Educação”.
Esta preocupação social acompanhará Gilda em uma de suas principais séries pictóricas, a “Fragmentos de Favelas”, em que ela retrata a plasticidade destas comunidades brasileiras. Com esta temática Gilda se tornou reconhecida internacionalmente, tendo feito grande sucesso em Paris, na Galeria Maywald.
Fazendo retratos de personalidades e membros da sociedade carioca como forma de sobrevivência, Gilda conseguiu se estabelecer em seu ateliê em Ipanema com sua única filha, Marta, até partir para o exterior em 1967. Nos anos em que se dividiu entre a California, Buenos Aires e o Rio de Janeiro, Gilda estudou e produziu muito, tendo construído uma carreira internacional de sucesso.
Outro interesse de Gilda durante sua carreira foram os anjos. Enxergando-os em toda parte, ela dedicou uma grande parte de sua produção a esta temática, sem contudo abrir mão das cores exuberantes que sempre marcaram seus trabalhos.
Dona de uma personalidade marcante e de uma obra diversificada e relevante, Gilda participou de mais de cinquenta exposições individuais e coletivas, no Brasil e no exterior, e produziu mais de seiscentas obras, dentre pinturas, desenhos e monotipias. Grafiteira, muralista, pintora, operária das artes, professora no final de vida, Gilda Reis Neto foi incansável em sua dedicação à Arte.
— Maria Izabel E. D. de Souza
Curadora da coleção

Edgar Duvivier. Retrato de Gilda, 1984, Rio de Janeiro.

Calasso. Retrato de Gilda, 1959, Bolívia.

Luciene Dupuis. Retrato de Gilda, c. 1957, Paris.

LAUS, Ruth. Anos Dourados. In: O Jardim de Judith – Seleção de Poemas. Porto Belo: Editora Laus, 2004, p. 75.
“Procuro um graveto, desenho na areia molhada e o mar carrega meu Anjo para o infinito.”
— Gilda Reis Neto
“Reflito e pondero sobre o amor quando pinto anjos. Jamais abandonarei meus anjos, eles integram meu ser.”
— Gilda Reis Neto
“Favela-Quilombo
Favelado de Paris é ‘clochard’, bebe vinho declama Baudelaire e se veste de preto…
Favelado do Brasil é herança do escravo que se refugiava nos quilombos, ele ri, canta, ele samba no pé, ele espera, ele continua discriminado. No passado pelo senhor feudal, hoje pela periferia pseudo-elegante. Nas minhas andanças pelo mundo descobri a beleza arquitetônica, intuitiva, colorida e arrojada das Favelas do Rio, lembram Mondrian dentro do azul.
Elas sempre me seduziram, povo danado que escolheu por atavismo o topo do morro para se refugiar, ganharam a perspectiva da paisagem, a brisa constante e o verde se misturando com o azul do mar. Na minha individual de Paris, mostrei as favelas… Oh! Les bidonvilles, quel beauté, mon Dieu! Elas sempre foram um cartão postal do Rio, elas sempre sobreviveram. Na Califórnia os americanos citavam a paisagem do Rio louvando as Favelas, até mesmo no Japão fui questionada sobre a plasticidade que elas transmitem na sua leveza, parecendo pássaros brancos pousados na natureza.
É atávico – favela é quilombo. A fuga começou na escravidão hoje é cartão postal…”